O gerente e as funcionárias se espremeram entre prateleiras antes do mercado abrir e o sujeito, modulando a voz como se estivesse prestes a partilhar um segredo familiar, fez assim:
— Meninas, a partir de amanhã a entrega é só a partir de 120 reais em compras.
— Meu Jesus, ontem ainda era 50!
— Não, nunca foi 50, 50 não existe. Sempre trabalhamos com 120. – E olhava duro pra todas, como se quisesse inocular a nova verdade nos cérebros delas pelo olho.
— Mas e se alguém perguntar, seu Adamásio?
— É 120, ué. Sempre foi 120.
— Mas falo assim, perguntar da mudança de valor…
— Não teve mudança.
— Mas o senhor mesmo disse “… a partir de amanhã…”
— O amanhã é o nosso ontem. Deixe detalhes de lado, é 120.
— Coisa de doido. –- Disse uma mais incomodada.
— Doido é o cliente. O cliente tem de ficar doido, o cliente tem que duvidar do que pensa saber, a memória do cliente não é confiável.
— Mas e se um cliente aparecer com alguma nota de entrega assinada e com valor mais baixo?
— Peça pra ver e engula.
— Seu Adamásio!
— Engula. Isso não existe, sempre foi 120. Estamos entendidos?
Horas mais tarde, uma pequena família chega com as compras e pergunta à caixa a partir de quanto o mercado entrega em casa.
A mulher, com aquele ar seguro, com a confiança de que o valor já havia sido estipulado ainda na infância do dono do mercado, imagina o patrão menininho tendo uma espécie de arrebatamento visionário e interrompendo a brincadeira com o caminhãozinho. O menino teria dito para si mesmo, olhando fixamente ao brinquedo: “Quando eu crescer vou ter um mercado, e ele vai entregar a comida na casa do cliente se o cliente gastar 120 unidades da moeda da época, porque vai ser outra moeda, o cruzeiro não dura.”
E responde:
– A partir de 120 reais.
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Bragança Paulista, 2018
Imagem: Mehrad Vosoughi/Pexels