Mateus se virava na cama. E virava, virava, virava… virava; virava. Virava. O Sono dele saíra para festejar com sua amante, a Dona Preguiça. O rapaz não conseguia pregar os olhos, parecia mesmo que, justamente por ter consulta marcada às oito do outro lado da metrópole, escafedeu-se dele a disposição para dormir e o acalento do cansaço.
Em verdade, a cama o irritava, os cobertores despertavam coceiras e o travesseiro surgira com calombos misteriosos. Lá fora, o mundo silenciara e oferecia a mais agradável das temperaturas, como se zombasse dele. O grilo que cricrilava d’algum lugar da casa também parecia zombeteiro, e se a princípio Mateus pouca importância deu ao inseto, agora começava a se incomodar.
Descerrou as pálpebras e permitiu que a vista se amoldasse ao escuro; o quarto estava todo lá, todo tenebroso e espreitado por retas sombras inclinadas. Fechou os olhos de novo e começou a se perguntar onde o grilo estaria, aquele cri cri infeliz o perturbava cada vez mais, e o curioso é que ele o ouvia mais alto e mais alto, deduziu que o danado do bicho estava se aproximando e pôs o travesseiro na cara a fim de abafar o barulho. Limpou a mente para relaxar e falhou; pensou na noiva com o mesmo intuito e falhou. Descobriu a cara, e usando o celular de lanterna, inclinou-se sobre a beira da cama para examinar o chão abaixo dela, concluíra que o maldito grilo só podia estar ali. Mas não estava.
Aquietou-se novamente e tentou o máximo que pôde ignorar o cricrilar, que havia crescido em volume e freqüência. Mateus respirou fundo, e de olhos oclusos fez dessas viagens noturnas que muito mostram e a parte alguma levam, queria se dissociar de si e dormir, mas entendeu que era impossível, tudo no quarto o incomodava, permanecer deitado era tarefa insuportável, o ar parecia mais pesado e o cricrilar sempre aumentava!
— Grilo maldito! – explodiu, abrindo os olhos de novo.
Um vulto gigantesco tomava todo o espaço livre do quarto, acotovelando-se pelas paredes, espremido entre os móveis; medonhas tiras de sombras emolduravam a criatura horrorosa.
Mateus escancarou as faces e gritou como nunca antes havia gritado, saiu de suas entranhas um berro estridente e rasgado que ele jamais pensou ter capacidade de emitir.
Jorge H. Gris
*
Bragança Paulista, 2017
Jorge H. Gris é pseudônimo de Yuri Mayal
*
Imagem: Johnny Mackane/Pexels