Um dos aspectos mais interessantes na criação de um personagem é o estabelecimento do núcleo existencial dele, isto é, da parte mais essencial de sua vida, daquela coisa sem a qual todo o seu mundo desmorona e ele é derrotado. O ideal é que o núcleo existencial de alguém seja Deus, seja Jesus Cristo, pois isso jamais pode ser tirado ou perdido, de maneira que quem verdadeiramente centra a vida em Jesus Cristo jamais é deveras arruinado, mas infelizmente o povo sob o firmamento não costuma viver assim, portanto não tenho como dar esse centro a todos os personagens.
O negócio é ainda mais complicado porque o núcleo existencial de uma pessoa pode ser fixo ou pode mudar. O núcleo de Ricardo Coração-dos-Outros, personagem de Lima Barreto em “Triste Fim de Policarpo Quaresma” é o violão; uma vez que tiram o instrumento do sujeito ele fica acabado, derribado mesmo. Já Lisa, personagem de Nikolai Karamzin em “A Pobre Lisa”, começa o conto tendo a mãe como núcleo, e depois transfere sua essência vital para o tíbio rapaz sedutor que a conquista e sem o qual, literalmente, não vive. O núcleo existencial inicial de John Wick, personagem interpretado por Keanu Reeves no filme homônimo* me parece mais elevado, é o amor de sua esposa, representado no cachorrinho legado por ela; depois o núcleo existencial de Wick se transforma na vingança.
Há ainda a possibilidade de núcleos divididos, um sujeito pode ter seus pilares fincados, por exemplo, na terra e na família.
Enfim, estabelecer os núcleos existenciais dos personagens, pra mim, é tarefa tão embaraçada quanto prazerosa.
*Aqui no Brasil o título do filme é “De Volta ao Jogo”.
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Bragança Paulista, 2020
Imagem: Kun/Pexels
Adoro como você apresenta de forma simples uma ideia que para outros exigiria uma novela só para começar a explicar.
Você tem um dom, Yuri.
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