Seu Uílso era um velho conversador d’alguma cidadezinha do interior brasileiro perdida no tempo; adorava passar suas horas livres pra cima e pra baixo abordando todo o mundo que parecia desocupado. Levava seu caixote e sentava às portas de vendas, casas ou carros e falava sobre tudo; se contradizia quinze vezes ao dia e não se importava quando percebia as incoerências.
Seu prazer era falar.
Mandava logo um vigoroso bom dia e começava, mais ou menos assim:
– Bom dia, seu Alaor! O menino do Teixeira já tá indo pro quartel, o senhor viu? O seu vai quando? – e antes do outro responder – Os meus foram faz tempo, aí a gente lembra até da nossa época, né? A gente vê como a vida passa rápido…
– Passa voando. – Seu Alaor arrumava as frutas na quitanda; Uílso freqüentemente colocava o caixote no chão e continuava:
– Bonitas as frutas, viu, seu Alaor?
– Tem que tá bonito, vou vender fruta feia?
– Coisa feia não vende.
– O senhor vai querer hoje?
– Hoje eu dispenso, mas que tão bonitas, tão. Quando eu era criança tinha o seu José… vendia umas frutas boas… era seu José, que ninguém se atrevesse a chamar de Zé… ele não gostava.
Ou assim:
– Bom dia, dona Cristina!
– Ô, seu Uílso! – e lavava o quintal.
– Mas tá uma baixaria essa novela, tá não? Um pai pega a moça do filho, o outro filho quer matar o pai, a dona lá, mãe das meninas da agência, só quer saber do porteiro…
– Eu nem assisto, seu Uílso.
– Eu também não, mas tá uma baixaria.
Ou, ainda, desse jeito:
– Bom dia, seu Quirino! Muita corrida?
– Tá fraco. – Respondia seu Quirino de dentro do táxi. Em breve começava o monólogo sobre os tempos de seu Uílso caminhoneiro.
Um local que seu Uílso gostava muito de ir era a barbearia do Donizette, pois lá um monte de velho se reunia para falar de política, do jogo do bicho, de futebol, e para reclamar carinhosamente das esposas.
Seu Uílso, quando ia, monopolizava a atenção geral, e sabendo disso, fazia do caixote seu palco: dava bom dia a todos, sentava de costas para a rua e discursava a cada deixa dos companheiros.
Numa dessas manhãs, o falador estava compenetrado no falatório quando notou que faziam sombra junto dele. Animado com a chegada de mais um ouvinte, virou com o seu entusiasmado cumprimento:
– Bom dia, seu…
Até o barbeiro, que era homem mortalmente sério – talvez por se chamar Donizette – caiu na risada.
Seu Uílso dera bom dia a um cavalo.
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Bragança Paulista, 2017
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