Se algum desafortunado lá pras bandas da Irlanda tiver os ouvidos invadidos por lamentos femininos lancinantes é bom que ele se prepare ao pior, isto é, que peça desculpas a quem deve, que descarregue do coração os desabafos que precisar, que arranje seus bens e finanças, que corra a se confessar, pois aquilo que arrepiou os cabelos do seu espírito e vibrou pesarosamente em seu peito pode ter sido um grito de banshee.
No folclore irlandês a banshee é uma entidade de passado trágico que às vezes cria tragédias no presente e anuncia tragédias ao futuro. Reza a lenda que quem escuta seu berro está lascado, logo cairá duro.
Já vi alegarem que o fundo de verdade na história das banshees é o frêmito agourento produzido pela sombria (porém simpática) coruja rasga-mortalha, todavia acalento por cá outra teoria: o que os camponeses, bardos viajantes, caçadores e demais moradores da Irlanda ouviam no escuro da noite, aquilo que estremecia a macheza dos mais bravos, não era pássaro coisa nenhuma, mas bebê, bebê irlandês sedento por leite. Oras, o mundo inteiro tem uma noção de como irlandeses são apegados às bebidas, então um neném daqueles manhoso devia ser algo pavoroso, os urros notívagos que retalhavam o silêncio das vilas seguramente pareciam vindos do além e devem ter contribuído para que idéias tenebrosas se ramificassem nas cabeças mais impressionáveis, ainda mais se essas cabeças souberam de gente que mudou pra baixo da terra poucos dias após ouvir aquele negro vaticínio.
Tolos. Eram só bebês virados na manha.
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Bragança Paulista, 2021
Imagem: Francesco Ungaro/ Pexels