Descíamos eu, minha esposa e meu filho de três anos a rua São Paulo, num bairro mais residencial de Bragança Paulista. Tudo bem. O meu filho tem cabelos lisos, e sua franja cresce rápido, de modo que nesse dia um pouco de cabelo lambia um tantinho seus olhos. Oras, vinha subindo uma senhorinha atarracada, carregada de pacotes de mercado, e exclamou, com um misto de dor e desespero na voz: “Tadinho, com o cabelo no olho!”
Seguimos caminho, nada respondemos por respeito aos mais velhos, mas não pudemos deixar de meditar brevemente sobre um dos hábitos humanos mais irritantes: o de julgar vidas e personalidades inteiras tendo por referência uma observação tosca com segundos de duração.
A pessoa bate o olho na outra e já tem a total certeza de que sabe o suficiente para tecer os mais inatacáveis julgamentos. Se a moça sai com uma roupa mais reveladora, é bisca, é puta, não vale nada e acabou; se um sujeito ergue a voz para o pai ou a mãe, aquele é o pior filho da cidade, talvez do país; se porventura um cachorro está preso pela coleira no quintal, o dono é um torturador de animais que deve ficar preso pelo pescoço debaixo da quentura do sol nordestino. Se um menininho está com um pouco de franja no olho, lascou, é uma pobre criatura filha de pais relapsos e desnaturados que passa fome e dorme com os ratos.
O interessante é que a realidade é recortada de modo a só restar o aspecto ruim do quadro. A senhora piedosa não viu que o menino andava arrumado, não viu que ele dava as mãos à mãe e ao pai, não notou que descíamos a rua felizes conversando.
Mas deixemos isso de lado, aquela senhora, pra mim, é só uma velha infeliz, amarga e solitária, cujo maior prazer é sibilar contra a vida alheia, pois assim se faz de superior e consegue algum conforto pela multidão de erros que foi sua vida.
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Bragança Paulista, 2018
A ironia final foi ótima! XD
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