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A julgar por esta revista, Masami Obari gosta de paletas quentes, de narizes pontudos e de mulheres devassas, Kia Asamiya aprecia borrões, Rui Araizumi desenha muito bem, mas acha que tudo é zoeira, Yoshitoshi Abe parece trabalhar melhor com paletas frias e tem um toque sombrio, U-Jin nem sempre dá atenção a detalhes importantes e Masamune Shirow se esforça como poucos.
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Toda vez que estou prestes a iniciar uma sessão de estudos, de produção ou de leitura mais densa, meus vizinhos aumentam absurdamente o volume da TV ou resolvem pôr aquelas canções edificantes típicas de nossa época. Acho que eles captam minha energia em chapéus de alumínio, deduzem dela minhas intenções e me atrapalham de propósito.
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Reli hoje a versão dos Irmãos Grimm para “A Bela Adormecida”, (tradução da Graça Vilhena), e não pude deixar de notar o seguinte:
Fada má
— A filha de vocês vai se lascar aos quinze anos!
Rei e Rainha, no aniversário de quinze anos da filha:
— Querida, vâm passar o dia fora e deixar a rapariga zanzando sozinha pelo castelo?
— Que idéia mais ilustre e ilibada, meu Rei! Vâm!
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Gramático chato deve ser a criatura mais frustrada do mundo, pois a missão dele, considerada realmente, equivale a tentar prender água em gaiolas.
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Eu não consigo me interessar muito pelas tretas bombásticas aqui das redes, não por ter um espírito elevado demais para ninharias e afins, mas por causa d’uma repulsa preventiva que circula em sussurros ao pé do meu ouvido e me aconselha a não saber de nada; é que, se eu for atrás dessas coisas, olharei resposta por resposta até das mais peculiares criaturas, fuçarei perfis para checar novidades relativas à treta da vez e acomodarei confortavelmente o indicador no F5, tudo isso enquanto as horas da minha vida escorrem pelo chão até a sarjeta mais próxima e a melhor parte de mim chora com o coração dilacerado, sem compreender a razão última de tudo aquilo.
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Uma coisa que sempre me chama a atenção quando leio “O Silmarillion” é a obstinação de Melkor (Morgoth para os elfos) em destruir e estragar tudo que é bom e belo. Morgoth e seus desgraçados dominam uma característica impressionante: a paciência ativa e alerta, isto é, eles esperam sem alarde o tempo que for necessário para executar seus planos maléficos, e enquanto esperam trabalham nas sombras incessantemente, sempre atentos a qualquer oportunidade de corromper e manchar o trabalho dos bons. O Mal não descansa.