Uma das pessoas que guardo com mais carinho da época em que trabalhei como corretor imobiliário é a Aline, moça baixinha e algo espevitada que devia beijar uns vinte sujeitos por mês. Eu nunca fui, nem pretendi ser, um desses baladeiros; eu era o amigo, aquele em quem a mãe dela confiava o suficiente para permitir que saíssemos do Estado sozinhos.
Muitas coisas Aline contava somente para mim, e desenvolvíamos o hábito de passear pelo calçadão de Boa Viagem à noitinha.
Numa dessas noites, estávamos sentados no banco de pedra enquanto ela me contava sua última aventura romântica; lâmpadas e estrelas faiscavam em seus olhos e eu sorria, divertido, sem a antiga inclinação de oferecer conselhos que não seriam ouvidos.
As pessoas passavam, andando ou correndo; o trânsito na avenida fluía tranqüilo; o mar descansava e música agradável saía do quiosque próximo. Por alguns minutos esqueci que estava em Recife, antro de sujeira e violência gratuita, reduto de sanguinários.
A cidade real me chamou de volta na figura de um homem descamisado que nos abordou:
– Aproveite o momento com ela. Eu vou ali, se eu voltar e encontrar vocês, mato os dois.
– Como? – perguntei, incrédulo.
– Vou matar os dois. – E se afastou.
Aline instou comigo para que saíssemos dali. Eu, que pendia entre o assustado e o ofendido, a dispensei e quis ficar, talvez para provar coragem a mim mesmo, mas ao perceber que minha amiga começava a chorar, cedi.
Dou graças a Deus por só a noite ter sido estragada.
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Bragança Paulista, 2017